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Indústria da moda renovou o compromisso para conter o aquecimento global

Há precisamente dois anos, a APICCAPS e o Centro Tecnológico do Calçado de Portugal (CTCP), lançaram o Plano de Ação para a Sustentabilidade na Fileira do Calçado. Um plano ambicioso, com dezenas de medidas e o envolvimento de inúmeras empresas e entidades do sistema científico e tecnológico. Maria José Ferreira, diretora de qualidade de investigação  do CTCP e coordenadora deste plano, avalia o caminho percorrido e revela o que falta fazer.

O setor do calçado, através da APICCAPS e do Centro Tecnológico, lançou há dois anos um Plano de Ação para a Sustentabilidade, com metas muito ambiciosas. Dois anos depois, o que já foi feito?
O Plano de Ação para a Sustentabilidade tem como visão a Indústria Portuguesa de Calçado ser líder no desenvolvimento de soluções sustentáveis. Neste sentido, previu um conjunto vasto e complementar de ações que se encontram já em execução. Destacaria, nesta fase, os trabalhos relacionados com a investigação e desenvolvimento, avaliação quantitativa da sustentabilidade (pegada ambiental), a avaliação e certificação de materiais e produtos, e a comunicação e dinamização e capacitação das empresas.

Em termos de inovação promoveram-se projetos de investigação e desenvolvimento (I&DT) cruciais, focalizando todas as áreas de intervenção propostas no plano.

É possível dar exemplos?
Saliento o projeto mobilizador GreenShoes4.0, no qual estamos a trabalhar no desenvolvimento de inovações ao nível de modelos de negócio sustentáveis, conceitos de produtos de calçado e marroquinaria mais ecológicos, materiais com menor pegada de carbono e tecnologias com maior produtividade, que devem constituir no futuro próximo instrumentos para aumentar a diferenciação e a diversificação do cluster, suportando um crescimento sustentado das exportações.

Complementarmente, os projetos em copromoção CNI4.0-Foot e o RARISS, no qual se está a criar um novo modelo de negócio para a rastreabilidade de peles e couros de bovinos de raças autóctones, estratégico para a indústria do couro e calçado, respondendo a uma crescente necessidade do consumidor, em querer compreender a origem dos materiais e produtos que adquire no mercado e o seu impacto para a saúde humana, animal e ambiente. O novo modelo TraceLeather integra soluções inovadoras que incluem o desenvolvimento de um referencial de saúde e bem-estar animal, uma plataforma web, um sistema de marcação ágil, um sistema de leitura do código de rastreabilidade, novos eco processos, couros e produtos de calçado, com maior valor acrescentando e com menor impacte ambiental, suportados pelo conhecimento cientifico.

Adicionalmente, foi preparada a candidatura Bioshoes4All, enquadrada no Programa de Recuperação e Resiliência medida C12 bioeconomia sustentável, visando suportar o desenvolvimento e a produção de novos biomateriais e componentes e ecoprodutos de calçado e marroquinaria, alicerçados nos princípios da bioeconomia circular e do desenvolvimento sustentável, em todas as suas dimensões, criando soluções diferenciadas, valorizadas pelos clientes e consumidores, contribuindo para catalisar uma nova bioeconomia sustentável, a valorização eficiente de biorecursos regionais e nacionais e a descarbonização.

Igualmente relevante será a conceção e a aplicação de novas abordagens e tecnologias visando a minimização e a valorização dos resíduos de produção e pós-consumo, no contexto de uma economia verde circular, contribuindo para o aumento do ciclo de vida dos materiais, uma gestão mais eficiente dos recursos materiais e energéticos, a neutralidade carbónica e o combate às alterações climáticas. Por fim, a candidatura FAIST enquadrada na iniciativa das Agendas para a Reindustrialização do PRR pretende disseminar e maximizar o impacto destas boas práticas.

Quantas entidades foram envolvidas neste processo?
Globalmente, os projetos de I&DT europeus e nacionais em curso e propostos envolvem cerca de 100 parceiros, coordenados pelo CTCP e APICCAPS.

Ainda relativamente ao trabalho feito, em termos de avaliação e certificação, o CTCP desenvolveu métodos e promoveu a realização de avaliações da sustentabilidade de materiais e produtos. Estes estudos permitem às empresas saber qual a pegada ambiental e de carbono de cada uma das etapas do ciclo de vida dos seus materiais ou produtos. Concretamente, qual o peso dos materiais, do processo de fabrico, dos resíduos, na pegada final. Com esta informação é possível atuar e ser mais sustentável de modo quantificado e apresentar argumentos claros aos nossos clientes e consumidores. Até ao momento realizaram-se mais de 30 avaliações.

Como se poderá reduzir a nossa pegada ambiental?
Para diminuir a pegada ambiental dos nossos produtos é preciso medir e atuar. Uma das abordagens com melhores resultados passa pelo uso de materiais reciclados. No âmbito dos projetos de I&DT, o CTCP colabora ativamente com várias empresas no desenvolvimento destes materiais.

Um aspeto importante e complementar é a certificação por uma entidade independente de que os materiais incorporam x percentagem de reciclado. Este trabalho está em curso, existindo já 2 materiais certificados.

Em paralelo, promove-se a aposta das empresas na certificação dos seus sistemas de qualidade e ambiente, tendo neste período sido certificadas mais de 20 empresas com o apoio do CTCP.

Como se pode atenuar o uso de substâncias químicas?
Uma outra área crítica da sustentabilidade passa por garantirmos que os nossos materiais e produtos não contêm substâncias químicas restringidas acima dos níveis permitidos pela legislação Europeia, Americana, Chinesa, Japonesa, entre outras. Nos último meses, o CTCP diversificou e ampliou as suas capacidades de realização deste tipo de testes. Adicionalmente, o laboratório criou serviços para apoiar as empresas a identificar e cumprir as suas responsabilidades. Globalmente, neste período, realizaram-se cerca de 10 000 ensaios químicos para mais de 300 empresas, o que demostra a sensibilização das empresas para esta temática.

Nas empresas, os aspetos de sustentabilidade ambiental e social são também uma prioridade máxima.
Neste período, as empresas do cluster tiveram de lidar com os desafios da mudança de paradigma associada aos consumidores e clientes desejarem produtos de calçado mais descontraídos, ecológicos, e comprados on-line e em simultâneo fazer face à pandemia da COVID-19.
A segurança dos trabalhadores e a responsabilidade social fazem parte da realidade do nosso cluster. Neste período o CTCP apoiou cerca de 100 empresas por ano nestas áreas e realizou mais 300 relatórios. A pandemia veio demonstrar a capacidade de adaptação e resiliência da indústria. Rapidamente as empresas implementaram as medidas de segurança recomendadas pela DGS e mantiveram-se sempre que possível a trabalhar. É um período complexo, mas as restrições à mobilidade poderão contribuir para aumentar o foco nas estratégias de diversificação em termos de produtos mais sustentáveis e vendas online.

Que balanço é possível fazer desses 300 diagnósticos?
O levantamento que fazemos é que todo o cluster está a apostar em soluções mais sustentáveis e a diversificar a sua gama de produtos. As empresas de couros desenvolvem materiais mais leves, com curtumes vegetais, e processos com mínimo impacte ambiental. As empresas de polímeros, palmilhas e solas optam por promover produtos incorporando materiais de origem vegetal e reciclar. As empresas de equipamentos oferecem soluções mais integradas e eficientes, que consomem menos energia e contribuem para aumentar a produtividade. As empresas de marroquinaria e calçado criam linhas de produtos sustentáveis, apelativos e casuais, com materiais reciclados, recicláveis, livres de substâncias perigosas, ou de origem natural, sempre na procura da incorporação da mínima quantidade de materiais e da aplicação de processos produtivos ecoeficientes, minimizando as operações e manipulações, a energia, os produtos químicos e as emissões e resíduos, e garantindo a elevada resistência e durabilidade do produto.

De modo a envolver as empresas do cluster e potenciar a criação e adoção de soluções sustentáveis, os aspetos ambientais e de sustentabilidade passaram a fazer parte de muitas das ações de sensibilização, disseminação e de formação realizadas pelo CTCP. Neste período foram realizadas mais de 50 apresentações, exposições, ações de desmonstração, seminários, guias, webinários ou formações incluindo a temática da sustentabilidade que mobilizaram cerca de 1000 participantes.

Em síntese, o que se pode esperar de um plano tão abrangente como este?
Este plano tem como grande objetivo mobilizar as empresas e entidades do cluster para o desenvolvimento de soluções sustentáveis com valor acrescentado que contribuam para usar os recursos de forma mais eficiente, adotar soluções de baixo carbono, e reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, impulsionando a descarbonização, a inclusão social, a competitividade econômica e a inovação e fortalecendo a resiliência.
Para se manter competitivo e continuar a ser um player de relevo à escala internacional o nosso cluster necessita de abraçar estes desafios e adotar práticas sustentáveis, isto é, que se traduzam em produtos e empresas competitivas, inclusivas e com menor pegada ambiental.

Um plano desta natureza deve promover uma espiral de sensibilização e inovação que envolva e incentive as empresas do cluster a apostar na sustentabilidade a longo prazo. Contactando com as empresas, visitando os seus websites e coleções, analisando os seus produtos e instalações, verificamos que a palavra sustentabilidade é das mais usadas e que as empresas estão a trabalhar diariamente de modo árduo e concreto para serem cada vez mais sustentáveis. Gostava de dar os parabéns aos empresários e aos seus colaboradores pela mudança que estão a realizar e rapidez com que estão a desenvolver soluções cada vez mais sustentáveis e de reiterar o compromisso do CTCP e da APICCAPS de aprofundar está temática e de apoiar todas as empresas a serem ambientalmente, socialmente e economicamente sustentáveis e resilientes.

Com a emergência de novas matérias-primas, o desenvolvimento de produtos que possam substituir o couro tem sido altamente discutido. O couro poderá estar ameaçado?
O couro recicla um subproduto da indústria alimentar, diria que é nossa obrigação reciclar esses subprodutos.
Na atualidade o couro português é produzido por processos limpos, estando as indústrias do couro a nível nacional e mundial a apostar em inovações que permitam a prazo ter materiais neutros em termos de carbono.

O que distingue o couro como matéria-prima?
O couro é um material nobre com características excecionais para calçado, é macio e adapta-se ao pé como uma segunda pele, absorve e liberta a humidade gerada pelo pé, apresenta elevada robustez física e flexibilidade. Do ponto de vista da sustentabilidade é de relevar também que o couro apresenta elevada durabilidade e pode ser reparável, o que prolonga a vida dos produtos.

APICCAPS e RTP, com o apoio do Programa Compete 2020, lançaram recentemente um programa televisivo, que se designa Portuguese Soul, que tem como missão sensibilizar os mais jovens para as questões da sustentabilidade. Ainda vamos a tempo?
Claro que sim, vamos a tempo, os mais jovens estão muito sensibilizados para a necessidade de preservar o mar, a terra e as espécies vegetais e animais que povoam o nosso belo planeta e percebem que as alterações climáticas podem ser minimizadas se alterarmos os nossos hábitos de consumo e apostarmos em materiais, produtos e sistemas de produção inclusivos e “transparentes” com o mínimo impacte ambiental. O programa está muito bem pensado, é abrangente e foi filmado de modo a introduzir os jovens a estes temas de modo muito cativante, pelo que vai certamente dar um contributo relevante para os sensibilizar, e também, contribuir para que seja apelativo trabalhar na nossa indústria.

Que novas iniciativas tem o setor preparadas no domínio da sustentabilidade e economia circular?
Um desafio importante será concretizar o projeto BioShoesAll tutelado pelo Ministério do Ambiente e Ação Climática em coordenação com o Ministério da Economia e Digital e o projeto FAIST. O BioShoes4All visa suportar a transição da nossa indústria para o desenvolvimento de soluções baseadas em recursos biológicos e renováveis, reduzindo o uso de recursos fósseis não renováveis, geradores de emissões de gases com efeito de estufa que contribuem para o aquecimento global e as alterações climáticas. No próximo ano começaremos a disponibilizar à indústria informação que contribua acelerar está transição.

Do ponto de vista da sustentabilidade do produto e do sistema produtivo a prioridade será apoiar as empresas “a medir a sustentabilidade” para poder identificar objetivos de redução e soluções concretas para a aumentar e certificar. De acordo com a experiência do CTCP, as soluções a apontar deverão ser fáceis de implementar e económicas e passam nomeadamente por fazer produtos duráveis e reparáveis e utilizar a quantidade mínima de materiais e recursos necessários, materiais “locais”, materiais livres de substâncias perigosas, materiais reciclados, materiais certificados, materiais com origem conhecida e rastreáveis, colas e acabamentos de base sólida ou aquosa, energia renovável (painéis fotovoltaicos ou comprar ao fornecedor energia 100% renovável), reduzir as operações de fabrico, automatizar, reduzir os resíduos de produção e encaminhar os que não possam ser evitados para reciclagem, entre outros.  

O nosso cluster industrial cobre toda a cadeia de valor dos produtos, e está bastante concentrado do ponto de vista geográfico, o que potencia a reciclagem dos subprodutos gerados por cada setor, internamente ou em parceria com os outros setores. A escassez de matérias é uma das causas do aumento galopante do preço dos materiais, entre outros. Para fazer face a esta situação, aumentar a nossa autonomia em termos de materiais, e preservar os recursos do planeta, é urgente reciclar. Diria que está deve ser também uma das nossas prioridades, começando pela reciclagem, tanto quanto possível, de todos os resíduos/subprodutos industriais, e depois do próprio calçado e marroquinaria pós-consumo. A APICCAPS publicará informação e dinamizará eventos sobre estes temas e o CTCP colaborará com todas as empresas em iniciativas de avaliação, desenvolvimento, certificação, formação ou investimento. Todos juntos vamos trabalhar para que a nossa indústria seja em breve líder no desenvolvimento de soluções sustentáveis.

“Indústria da moda renovou o compromisso para conter o aquecimento global”

Recentemente, os líderes das 20 maiores economias mundiais (G20) chegaram a um novo acordo e comprometem-se a "continuar os esforços para limitar o aquecimento global a 1,5 graus Celsius". Qual a importância de um acordo desta natureza?
Os líderes das 20 maiores economias do mundo, representam mais de 75% das emissões globais de gases com efeito de estufa.
Este acordo significa o reconhecimento da gravidade do problema, a urgência de definir e realizar a curto prazo ações concretas para minimizar as alterações climáticas, e a realização de investimentos significativos por parte os maiores poluidores.
De salientar, que de acordo com os especialistas, limitar o aquecimento global a apenas mais um grau e meio significa reduzir as emissões globais quase para metade até 2030 e atingir a neutralidade até 2050.

Depois do encontro do G20 em Roma, a maioria dos chefes de governo viajou para Glasgow, na Escócia, para participar na COP26, a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, quais foram as principais conclusões da cimeira?
A COP26 foi considerada por muitos como uma das últimas oportunidades nesta importantíssima batalha para manter a nossa saúde e bem-estar, salvar as nossas florestas, agricultura, oceanos e a vida selvagem.

Após 13 dias de negociações, o texto final acordado apresenta compromissos encorajadores, incluindo, gradualmente reduzir o uso de carvão, uma das maiores fontes de emissões de carbono, conter e reverter o abate de árvores de florestas até 2030, retirar subsídios à indústria dos combustíveis fósseis, acelerar o uso de transportes elétricos, reduzir as emissões de metano e outros gases com efeito estufa até 2030, aumentar o financiamento dos países mais afetados pelas alterações climáticas.
Participaram na COP26 cerca de 200 países e 50 mil participantes online e pessoalmente para partilhar ideias, soluções e construir parcerias, o que mostra a importância dada ao tema e contribui para a mobilização da população à escala mundial para adotar as soluções acordadas.

E a indústria da moda como pode adotar e contribuir para estes objetivos?
A indústria da moda é responsável por entre 2% a 8% das emissões globais de carbono, com grande impacto sobre o clima.
Na COP26 a indústria da moda renovou o compromisso com ações para conter o aquecimento global. Concretamente, agir para conter padrões insustentáveis de produção e de consumo e realizar ações que permitam reduzir as emissões de carbono rumo à neutralidade carbónica até 2050.
De facto, a grande capacidade da indústria da moda de comunicar e influenciar pode transformar o modelo atual de negócio, mas é necessário, utilizar melhor os recursos, avaliar e controlar as emissões de gases com efeito estufa, utilizar fontes de energia renováveis, bem como materiais com menor pegada ambiental para cumprir os limites previstos até 2030.

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Para mais informações

Centro Tecnológico do Calçado de Portugal
Rua de Fundões - Devesa Velha 3700-121 S. João da Madeira

Telefone: 256830950 Email: [email protected]   www.ctcp.pt